Teste de Turing: saberíamos se uma IA fosse capaz de pensar?

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Imagino que já deva ter ouvido falar do filme “O jogo da Imitação”, estrelado pelo famoso ator Benedict Cumberbatch em 2014, que interpreta um gênio matemático britânico de grande importância para a derrota dos nazistas na Segunda Guerra, considerado o pai da computação. O filme retrata o período em que trabalhara para a Inteligência Britânica, junto a um grupo de gênios, sendo o principal responsável por decifrar o sistema criptográfico da comunicação alemã — chamado o código Enigma — dando aos Aliados a vantagem necessária para derrotar os nazistas. Turing desenvolveu uma máquina capaz de testar um número extremamente grande de combinações (passando da casa de bilhões), chamada Bomber, possibilitando aos Aliados descobrir a posição das tropas alemãs no desembarque na Normandia.

Mesmo que não tenha sido o “autor” da expressão “Inteligência Artificial” — essa sendo fruto de uma conferência acadêmica no Dartmouth College em 1957 — Alan Turing foi de pioneiro na área de Inteligência Artificial, com seu primeiro artigo sobre o assunto publicado em 1950.

Teste de Turing

Nos anos 50, Alan Turing publicou seu artigo “Computing Machinery and Intelligence” (Máquinas Computacionais e Inteligência), em que fala sobre a capacidade das máquinas pensarem, ou pelo menos de simularem a inteligência humana. Além disso, o artigo também discorre sobre um teste capaz de analisar se um sistema operacional é ou não inteligente, agora popularmente conhecido como Teste de Turing.

Jogo da Imitação

Antes de falarmos sobre Teste de Turing, é interessante entendermos o chamado Jogo da Imitação, proposto por Turing. O jogo é formado por três pessoas: um homem (H), uma mulher (M), e um interrogador (I); sendo que o interrogador pode ser homem ou mulher.

O interrogador (I) deve ficar isolado e fazer várias perguntas aos outros dois (H e M), tentando identificar quem é o homem e quem é a mulher. A interação deve ser feita toda de maneira escrita, através de um computador, de modo que Turing descreve a configuração inicial do jogo como uma CMV (Comunicação Mediada-por-Computador).

Nesse cenário, tanto o homem quanto a mulher poderiam tentar simular o comportamento do outro, dificultando par ao interrogador distinguir quem é quem.

O Teste de Turing segue a mesma lógica. Mas imagine que no lugar do homem (ou da mulher), colocássemos uma máquina programada para agir como ele (ou ela).

Assim, o teste agora deve possuir como os três participantes, dois humanos (A e B) e um sistema operacional (C), separados um dos outros. Um dos humanos (A) é o interrogador, posto para conversar com os dois (B e C), fazendo perguntas simples e escritas. O computador e o outro humano devem responder à essas perguntas também de maneira simples, e escrita.

Se após cinco minutos o humano interrogador (A) não conseguir identificar quem está respondendo — o outro humano (B) ou a máquina (C) — a máquina passa no teste.

Quando levamos o Teste de Turing para um cenário em que várias pessoas são postas para fazer as perguntas, a máquina passa no teste se 30% das pessoas não souberem identificar com quem estão falando.

Algum computador já passou no Teste de Turing?

Sim! O primeiro registro que temos de uma máquina capaz de passar no Teste de Turing é datado em junho de 2014 (60 anos após a morte de Alan Turing), sendo ela criada por uma equipe russa. Tal computador se passou por um pré-adolescente ucraniano de 13 anos, chamado Eugene Goostman.

Os autores do script de interpretação foram Sergey Ulasen e Eugene Demchenko e Vaselov, programadores russos da área de Inteligência Artificial, sendo responsáveis por dar a Eugene personalidade. Assim, para passar pelo Teste de Turing, Eugene foi colocado para dialogar durante cinco minutos com uma banca de jurados na Universidade de Reading, em Londres. Eugene foi capaz de demonstrar a naturalidade e personalidade coerente com a de um jovem de 13 anos, (“sendo” acabou se repetindo um pouco aqui) enganando 33% dos juris nesse tempo e “passando” no Teste de Turing.

Então se a máquina passa no Teste de Turing, significa que ela é capaz de pensar como um humano?

Não, não significa. Quando submetemos uma máquina ao Teste de Turing, estamos testando a capacidade que ela tem de se comunicar com um humano de maneira tão natural e inteligente quanto qualquer outro humano, de modo que não consigamos distinguir. Uma máquina pode ser treinada para ser capaz de ter uma conversa com uma pessoa, conseguindo responder as perguntas de maneira natural, porém, isso não significa que ela de fato compreende o que está dizendo.

No fim das contas, o Teste de Turing não pode dizer se uma máquina realmente pensa, mas sim se ela pode exibir um comportamento inteligente similar a um ser humano.

E quanto à uma máquina consciente?

Muitos cientistas defendem que a ideia de uma máquina pensante está diretamente ligada à ideia de uma máquina consciente. A consciência, no entanto, é um tópico ainda turvo para a humanidade e estamos longe de compreender o que ela é. Dito isso, mesmo que Turing defenda que não é necessário entendê-la para replicá-la em máquinas, o fato é que ainda estamos longe de sermos aptos a desenvolver uma IA consciente e, consequentemente, pensante.

Teste de Turing VS Teste de Kamski

Se o Teste de Turing não nos assegura que uma máquina é pensante, por consequência ele não nos assegura de que ela é consciente. Concordando com essa firmação, surge o Teste de Kamski, conceito criado dentro do jogo Detroit Become Human (DBC), lançado em 2018. O jogo se passa em uma Detroit futurística (2038), onde IAs andróides são capazes de pensar e sentir, se desenrolando acerca da história de três personagens androides.

Em determinada parte do jogo, um desses androides — Connor — se depara com o seu criador — Elijah Kamski — que lhe propõe um teste: se Connor for capaz de atirar em outro androide, é apenas uma máquina que recebe comandos; se não atirar, ele possui empatia por seu semelhante. Nesse contexto, a empatia seria uma característica inerente à consciência, algo que apenas seres conscientes possuem, assim, o então chamado Teste de Kamski tem, portanto, o propósito de verificar se uma máquina pode possuir empatia.

 

O Problema das Outras Mentes

Considerando que de fato desenvolvêssemos uma IA pensante, poderíamos assegurar que ela é de fato um ser consciente e empático? Isso nos leva a outra questão, tratada pela Filosofia: O Problema das Outras Mentes. Como temos certeza, afinal, de que qualquer outro ser humano à nossa volta é também consciente, ou seja, que também possui uma mente pensante? Bom, não temos.

Todos já ouvimos a famosa frase do filósofo e matemático René Descartes: “Penso, logo existo”, que defende que nossa capacidade de sermos mentes pensantes implica diretamente em nossa existência. Porém, termos consciência de nossa mente e de nós mesmos não é o suficiente para certificar de que toda e qualquer outra pessoa também possui uma mente, uma vez que toda observação feita acerca de outro indivíduo também faz parte de nosso próprio pensamento, como afirma o filósofo Nagel: “A única experiência que você pode ter, na verdade, é a sua própria”.

Nesse contexto, só podemos nos assegurar de que somente nós mesmos pensamos, e assim, existimos, o que implica em um ceticismo quanto a existência de outras mentes. Essa ideia de sermos o único ser que possui consciência, é chamada de “Solipsismo” na Filosofia, como Nagel mesmo indaga, “Como saber que os seres à sua volta não são todos robôs destituídos de mente?”. De modo prático, só existe uma alternativa que seria capaz de nos provar que outras pessoas são conscientes: sendo elas.


Tudo isso nos traz de volta ao questionamento: conseguiríamos saber se uma máquina é pensante, isto é, consciente? Receio que a resposta seja não. Seguindo a linha filosófica de Nagel, apenas sendo tal máquina, conseguiríamos saber se ela possui, ou não, consciência. Partindo do ponto prático, ainda estamos longe demais de entender o que é ser um ser pensante e consciente, de modo que não somos capazes de conceber um teste eficaz para provar tal condição existencial.

Contudo, apesar disso tudo, é inegável que o Teste de Turing foi essencial para que muitos engenheiros e cientistas ao longo da história pudessem desenvolver IAs capazes de se comunicar de maneira mias natural com os usuários, ponto importante para o desenvolvimento do UX design. Ele impulsionou questionamentos acerca do que deveria ser desenvolvido para agregar às máquinas mais “humanidade”, que permite a melhoria dos chamados chatbots — os famosos assistentes virtuais de sites —, aumentando a eficiência no atendimento ao cliente, por exemplo.

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Eduarda Bagesteiro Rigon

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