As aplicações reais da Inteligência Artificial vêm crescendo cada vez mais na última década, e se tornando cada vez mais presentes em nosso cotidiano. Entretanto, o termo e as divagações acerca do assunto são bem mais antigos que isso, sendo citadas, exploradas e imaginadas por autores no universo da Ficção Científica. Obras como a trilogia “Fundação”, e “Eu, Robô” de Isaac Asimov, nas décadas de 40 e 50, respectivamente, foram marcos importantes para as representações de Inteligência Artificial que seriam produzidas a partir dali.
Hoje, podemos identificar na literatura e no cinema vários personagens idealizados como IA, alguns concebidos em formas humanoides – como Ava em Ex Machina, e outros não, como Samantha em Her. As representações, no entanto, podem fugir da verossimilhança com IAs reais para dar espaço à dramaturgia e ficção, causando dúvidas da correlação entre as máquinas que vemos nas tela e as que usamos na vida real. Desta forma, decidimos separar algumas obras de ficção científica renomadas, que pudessem ajudar a sanar algumas destas dúvidas.
O icônico filme de Stanley Kubrick “2001, Uma Odisseia no Espaço”, escrita por ele em pareceria com Arthur C. Clarke (autor do livro “2001, a space odyssey”, 1968), nos apresenta HAL 9000 (Heuristically programmed ALgorithmic computer), um computador com inteligência artificial avançada, responsável pelo funcionamento da Discovery One, nave espacial mandada para uma missão em Saturno, tripulada por vários astronautas.
O conceito de HAL foi concebido décadas antes do desenvolvimento da IA como conhecemos hoje – mais de 50 anos atrás – quando conceber conceitos como Inteligência Artificial ainda era algo fortemente movido por criatividade e imaginação. Na obra, HAL fora desenvolvido para poder pensar como um cérebro humano, porém livre de erros, capaz de sentir empatia, emoções, e ter pensamentos abstratos.
Durante a trama, vendo que os humanos teriam potenciar de interferir em sua missão, HAL toma decisões por conta própria, e passa a eliminar os tripulantes. Uma missão fora designada e ele faz de tudo para cumpri-la, mesmo que deva tomar decisões que não fazem sentido aos humanos – e indo contra as ordens dos mesmos. Assim, os acontecimentos da trama explicitam o temor acerca do futuro das máquinas muito retratado por contos da ficção, ainda presente na humanidade.
Agora, quando olhamos para a vida real, IAs são bem diferentes, mesmo que compartilhem aspectos semelhantes.
Quando HAL diz “A série 9000 possui um histórico operacional perfeito”, durante a trama, ele representa um conceito verdadeiro acerca da Inteligência Artificial: computadores são ensinados a fazer algo e farão exatamente o que pedirmos para fazerem – salvo situações de falha de hardware. Porém, como afirma Kristin Lennox, Especialista de Inteligência Artificial e Cientista Principal de Dados na Beyond Limits, “É realmente muito difícil desenvolver uma IA que seja prejudicial aos humanos. Em grande parte porque é muito difícil fazer máquinas reconhecerem quando humanos estão em perigo.” Além disso, o modo como nós pensamos é diferente do pensamento de uma IA. Cenas onde HAL demonstra emoções, por exemplo, não são precisas, uma vez que máquinas podem aprender a reproduzir emoções humanas, mas não de fato terem sentimentos.
A obra Her (“Ela”) por Spike Jonze, de 2013, possui um enredo ambientado em Los Angeles de 2025. No universo desta obra de ficção científica romântica, a relação humano-máquina se encontra em um nível praticamente simbiótico, principalmente de dependência dos humanos para com as mesmas. Na trama, o personagem principal – Theodore – adquire um novo dispositivo (parecido com um smartphone), este abriga uma inteligência artificial, a qual Theodore interage.
Ao decorrer da trama vemos a voz feminina da IA que nomeia-se Samantha, interagir com Theodore até finalmente entrarem em um relacionamento romântico. O filme coloca em cheque a discussão acerca das fronteiras para a relação que mantemos – e manteremos – para com as máquinas. Até onde ela iria? Seria improvável um romance como o retratado? Serão as máquinas também capazes de amar? Vemos a personagem IA sendo retratada com tamanha humanidade que nos faz pensar sobre o futuro que pode aguardar das IAs, porém também pode causar a impressão de estarmos perto de tal realidade.
Entretanto, mesmo que possamos correlacionar a voz Samantha à IAs que possuímos hoje em dia – como a assistente virtual Alexa – a tecnologia representada no filme ainda está muito distante. Isso porque Samantha é uma IA extremamente sofisticada, possuindo vontade própria, desenvolvendo sentimentos próprios… Ou seja, Samantha possui consciência.
Porém, essa é uma realidade longe demais para prevermos. Atualmente, além do fato de que IAs não serem capazes de desenvolver emoções próprias, ainda não fomos capazes de entender o quê é e como funciona uma consciência. Apesar de uma tecnologia como em Her ainda não existir, a cientista Rana El Kaliouby já desenvolveu uma tecnologia chamada Inteligência Artificial Emocional, com o intuito de compreender as emoções do usuário, sendo um possível indicador de nossa evolução em direção à criação de tecnologias como Samantha, algum dia.
A estreia de Alex Garland como diretor em “Ex Machina: Instinto Artificial”, em 2015, nos traz outro filme onde a relação humano-máquina é explorada. O enredo se inicia quando o programador Caleb Smith é recrutado – aparentemente “por sorte” – para a casa de Nathan Bateman, CEO da empresa onde Caleb trabalha. O rapaz é então encarregado de conduzir um Teste de Turing no robô humanoide dotado de IA que Nathan criara, sendo que esta IA fora concebida na forma de uma mulher, e tendo recebido o nome de AVA.
O teste que Caleb precisa realizar – o Teste de Turing – é responsável por testar a capacidade de uma IA de comportar-se como um humano, a ponto de que a pessoa interagindo com ela não perceba que ela é de fato uma IA, e não outro humano. No filme, o criador, Nathan, diz para Caleb que “O real teste é mostrar para você que ela é um robô e então ver se você ainda sente que ela tem consciência”, e ao decorrer do longa-metragem fica claro que AVA é retratada de fato como uma IA capaz de pensar e sentir, detentora de consciência. Além disso, a personagem é tão capaz de entender as interações e sentimentos humanos a ponto de manipular os demais personagens da trama, para conseguir o que deseja.
O filme ainda traz à tona discussões como machismo e idealismo feminino, uma vez que todas as IAs desenvolvidas por Nathan possuem o padrão estético esperado de uma mulher e são descartadas pelo mesmo. Além das questões filosóficas e existenciais acerca da idealizada criação de uma consciência como a de AVA, e até onde poderemos controlar algo do tipo, dando espaço mais uma vez à representação do medo perante essa possibilidade, exposta por Nathan na frase “No futuro, nós seremos destruídos pela inteligência artificial”.
Já sabemos que IA capazes de possuir o que chamas de consciência estão longe da realidade atual, além disso, outro ponto a ser analisado acerca de AVA, é a improbabilidade do primeiro IA de fato consciente ser compacto o suficiente para termos um robô humanoide, como representado. Isso pois, os computadores mais inteligentes existentes atualmente ocupam espaços gigantescos e necessitam de uma quantidade exorbitante de energia – e dinheiro, tornando a ideia de um IA como AVA anda mais próxima da ficção do que da realidade.
Em suma, todas as IAs dos filmes citados são representações de uma “IA geral” ou “IA forte”, ou seja, Inteligências Artificiais que possuem uma inteligência semelhante à humana. Atualmente, porem, ainda não somos capazes nem mesmo de traçar o caminho necessário para um dia chegar neste patamar, o que não quer dizer que nunca seremos capazes. O que possuímos hoje são IAs definidas como “IA fraca”, empregadas para a resolução de questões específicas.
Por outro lado, há futuristas como Ray Kurzweil – inventor e engenheiro dos EUA – que afirmam que esse futuro está mais próximo do que imaginamos, enquanto muitos teóricos afirmar que o que chamamos de consciência não é algo possível de ser computável, levantando debates como o exposto por André Vellozo – da DrumWave – em uma palestra no ProXXIma – evento de comunicação digital – “Contextos culturais e crônicas tecnológicas estimulam uma fantasia na qual nós humanos somos virtualmente informação e, talvez por isso, pessoas possam existir sem o corpo. Acredita? A informação e a materialidade são mesmo entidades distintas? Isso soa como separar a mente do cérebro. Apoiar essa ideia é aceitar uma hierarquia na qual os dados estão acima e a frente da materialidade e onde a existência física os segue a distância.”
A discussão acerca da evolução da IA é um assunto complexo e definitivamente ainda há muito a ser explorado. Enquanto o desenvolvimento tecnológico real acontece, obras de ficção continuarão surgindo para desafiar até onde o ser humano é capaz de explorar e imaginar o futuro da interação humano-máquina, bem como a evolução das mesmas. E claro, enquanto isso, conte conosco para ficar por dentro de conteúdos interessantes envolvendo Inteligência Artificial e Inteligência Aumentada.